Violência na hora do parto deixa marcas profundas em mulheres; veja relatos!

Doulas e obstetras orientam gestantes para um parto cada vez mais humanizado

“O dia que era pra ser o mais feliz da minha vida, tornou-se o mais dolorido. Um dos piores momentos foi no pré-cirúrgico. Eu estava muito nervosa e com uma contração atrás da outra. Eu estava totalmente despida com um monte de gente estranha conversando sobre onde passariam o Natal e o Réveillon. Pouco se importavam com o que eu estava sentindo, se eu estava bem ou com medo…”. Mãe de um menino de 1 ano e três meses, a jornalista Bruna Coelho lembra com traumas o nascimento do seu primeiro filho.

A enfermeira obstetra e doula do núcleo Acolher Julianne Brayner explica que violência obstétrica é todo tratamento desumanizado no processo reprodutivo das mulheres. “Os atos de violência obstétrica são cometidos por profissionais de saúde que atendem a mulher durante a gestação, parto, pós-parto e abortamento. Alguns exemplos são dificultar o atendimento no pré-natal; proibição da entrada do acompanhante; realização de procedimentos durante o parto sem o consentimento e justificativa; agendamento de cesárea sem indicação baseada em evidência científica, por conveniência; discriminação e tratamento desumanizado no atendimento ao abortamento; entre outros”, diz.

A violência obstétrica atinge um em cada quatro brasileiras. Em 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um documento condenando a prática, mas muitas mães ainda nem se deram conta que sofreram abuso no momento do parto.

“A violência obstétrica pode vir da portaria do hospital ao médico. Parece que tive uma experiência completa… Graças a Deus, me informei muito na gestação. A todo momento sabia o que estava sofrendo”, pontua Bruna.

Ela conta que ainda na recepção alguns familiares não foram bem recepcionados. No primeiro contato com a médica plantonista, ao se recusar a fazer o exame de toque uterino, Bruna ouviu: “Quando a gente vem pra maternidade tem que estar ciente que vai levar toque, viu?”.

Em seguida, a jornalista foi obrigada a subir a rampa para a sala de pré-parto em uma cadeira de rodas. “Isso é um absurdo! Nenhuma mulher pode ser obrigada a nada. Quando eu sentava ou deitava a contração vinha mais forte, muito forte mesmo. Mas, eles alegaram que eram ‘normas da casa'”.

Trauma

Durante todo o trabalho de parto, Bruna conta que teve que lidar com muita ironia, descaso e se defender de procedimentos invasivos. “Já na sala de pré-parto, a plantonista entrou com uma espécie de “espatula”. A médica passou por todas as parturientes e quando chegou a minha vez, perguntei mais uma vez que tipo de procedimento iria ser feito e ela questionou se minha bolsa estava íntegra. Eu disse que sim e ela falou que ia rompê-la. Neguei de imediato, pois queria que meu filho viesse ao mundo do jeito dele. A plantonista então me disse que não ia esperar 12h para que eu parisse”.

Quando a bolsa rompeu, a médica plantonista exigiu que Bruna fizesse exercícios em uma bola. Horas depois, a jornalista conta que o mecônio – secreção normalmente eliminada pelo feto na primeira evacuação após o parto – saiu.

“A plantonista quando viu entrou em histeria comigo, dizendo: Tá vendo? Eu falei que isso iria dar problema. Mecônio! Vai pra sala de cirurgia agora! Pode ir tirando toda a roupa que vai pra cesária. Comecei a chorar muito, não pela cesária, mas pela maneira que estávamos sendo tratados. Eu só chorava e chorava… achava tudo aquilo um absurdo”.

O filho de Bruna nasceu e precisou ir para a Unidade de Cuidados Intermediários (UCI), pois tinha aspirado mecônio durante a cirurgia. Ela foi levada para um quarto. “Dividia o local com mais duas mulheres e seus acompanhantes. Achei uma falta de respeito e de humanidade deixar os acompanhantes dormirem numa cadeira de plástico. Todos os acompanhantes acabaram dormindo no chão, até porque, ninguém aguentaria dormir em cadeiras de plástico”.

O bebê precisou ficar 10 dias internado. Segundo Bruna, os médicos alegaram que era um procedimento padrão para evitar uma infecção no sangue devido ao mecônio, mas, dois dias depois eu já ganharia alta e não podia deixa-lo ali, pois, ele precisava ser amamentado.

“Eu chorava muito, mas muito mesmo. Parecia um luto do parto. A psicóloga e a assistente social da maternidade vieram conversar comigo e me deram a opção de ficar num quarto onde acolhiam as mães de UCI. O local fica no subsolo da maternidade. Um lugar úmido, com várias camas antigas, uma TV de tubo e um único banheiro para sete puérperas”.

Relatos

Bruna decidiu ficar indo para casa e voltando ao hospital para amamentar o bebê. Ela lembra que enquanto não recebia alta, conheceu outras mães com bebês internados na UCI e que sofreram violência obstétrica sem saber. “Uma delas disse que o filho nasceu de 40 semanas. Como ainda não tinha entrado em trabalho de parto, ela resolveu procurar o médico. Mas ao invés de orientá-la a ir pra casa e aguardar até as 42 semanas, ele a induziu uma cesariana. O resultado foi que o filho dela nasceu com problema no pulmão e passou dez dias internado”.

Ela lembra que ouviu relatos de mães que se submeteram a diversos procedimentos desnecessários. “Tricotomia, episiotomia e entre outros procedimentos abusivos que a mulher não é obrigada a passar, mas sofre às vezes por falta de informação. As consequências para o pós-parto? A depressão”.

Bruna fala que ainda não pensa em ter outro filho, mas, se engravidar novamente, sua intenção é ter um parto domiciliar humanizado.

Doulas acompanham gestante durante ultrassom natural

FOTO: ARQUIVO PESSOAL / JULIANNE BRAYNER

O parto humanizado

A fisioterapeuta e a doula do núcleo Acolher de Maceió, Barbara Rose, explica que o parto humanizado é um parto respeitando a perspectiva da mulher. “Não existe um pacote pronto definindo. Há partos humanizados no hospital, há lindos em casa. O parto independe do local. O que importa é que seja o ambiente em que ela se sinta mais segura. Ter uma intervenção no parto não significa que não seja humanizado”.

O obstetra Alberto Sandes complementa que não há um consenso em relação à definição de um parto humanizado. “Para alguns este termo se restringe apenas pelo fato do tratamento carinhoso e/ou respeito com a paciente, porém intervindo sem muitas restrições no mecanismo de parto. Para outros mais extremistas, vai mais além de simples palavras de carinho, ultrapassa até a escolha da vestimenta hospitalar, na forma que ela é conduzida até o quarto – se for com cadeiras de rodas este já não é mais humanizado -, porém há aqueles profissionais que circulam entre as duas vertentes citadas e aplicam uma conduta mais equilibrada”.

O obstetra pontua que o parto humanizado engloba o respeito aos tempos da mamãe e do bebê; respeito ao protagonismo feminino; compartilhamento de responsabilidades e o uso adequado dos procedimentos médicos.

Alberto lembra que há casos em que é preciso aplicar anestesia, ou realizar um rompimento artificial da bolsa das águas, ou a aplicação de um pouco de ocitocina em algum momento, mas a maior parte das mulheres de baixo risco tem um parto de início espontâneo e sem indução; sem precisar subir em cadeira de rodas ou macas até a sala de parto; com a liberdade de alimentação e ingestão de líquidos; com apoio contínuo do acompanhante e de uma doula particular; com o uso de métodos não farmacológicos para dor; sem a episiotomia – incisão efetuada na região do períneo para ampliar o canal de parto, sem empurrar a barriga, sem dedos nervosos, sem fórceps, sem vácuo-extrator para acelerar um processo em que mãe e bebê estão bem.

“Então, no meu ponto de vista o parto natural deve ser o mais natural possível, com menor interação possível para o binômio mamãe-bebê, porém sem perder o bom senso e sem deixar de usar a tecnologia para um monitoramento com maior acuraria, deixando todos mais seguros, inclusive o profissional”, defende Alberto Sandes.

Questionado quanto às contraindicações, o obstetra explica que tudo depende da avaliação médica. É preciso observar se há risco de sofrimento fetal quando a mulher não tem dilatação completa, descolamento prematuro de placenta, placenta marginal com sangramento, distocia (complicações que atrapalham ou impedem a passagem do bebê), mãe portadora de HIV e entre outros pontos.

Ele afirma que a cesárea não deve ser estigmatizada e nem rotulada como uma “violência obstétrica”.

Cesárea

“Ela salva vidas. Não podemos esquecer que estamos em um país com recursos humanos de excelência escassa para lidar com as gestantes. Nem sempre é oferecido suporte necessário no pré-natal”, explica Alberto Sandes.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o Brasil tem um índice de 84,6% de cesáreas em hospitais particulares e 40% na rede pública, quando o órgão recomenda que a taxa fique entre 10% e 15% dos partos. A cirurgia pode ser necessária para salvar mãe e bebê, mas ainda implica em perigos e o número de cesarianas feitas sem recomendação vem aumentando. As causas para a cirurgia se tornar o padrão, quando deveria ser a exceção, permeiam o medo da dor, a conveniência para o médico, que pode marcar o horário e assim realizar várias cesáreas em um mesmo dia, o que as torna mais lucrativas.

Alberto Sandes comenta que a medicina obstétrica já possui novas técnicas, com a cesariana minimamente invasiva. “É chamada MISGAV LADACHE, que reduz consideravelmente os riscos de complicações para a mamãe e para o feto. Tento melhor recuperação pós-operatória, chegando a se comparar, em alguns casos, de pós-parto normal, mas no geral o parto humanizado, tem índices muito superiores de recuperação comparados ao parto vaginal com episiotomia e a cesariana”.

Parto Natural

Diversos estudos indicam o parto normal como o mais seguro para mães e filhos. O Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde (ANS) publicaram, em janeiro de 2015, novas regras para estimular partos normais no Brasil. Em março, foi publicado o Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas para Cesariana, que traz os parâmetros que devem ser seguidos pelas Secretarias de Saúde dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Mas o obstetra Alberto Sandes alerta que há partos, ditos como normais, que promovem literalmente atrocidades obstétricas.

A enfermeira obstetra e doula do núcleo Acolher, Julianne Brayner, explica que há inúmeros procedimentos desnecessários. “Um parto normal pode ser cheio de intervenções desnecessárias. A gestante não é orientada, não é questionada se ela autoriza determinadas intervenções. Ela precisa ser questionada, é o corpo dela, é o filho dela”, relata.

São diversos procedimentos que deveriam ser exceções, mas no Brasil se tornaram rotina para agilizar o trabalho de parto. Entre eles está a aplicação da ocitocina artificial, que serve para a indução do parto, ou a episiotomia. No Brasil a taxa de corte no períneo é de 53,5%, quando a recomendação da OMS é de 10%.

As doulas Julianne Brayner e Bárbara Rose buscam proporcionar a humanização do parto

FOTO: LIVIA LEÃO

Núcleo de humanização para o parto

Buscando proporcionar a humanização da maternidade, o núcleo Acolher realiza rodas de conversas, acompanhamento de doulas, além de consultorias para as gestantes sobre os tipos de partos, as intervenções e as condutas que envolvem o nascimento. Para a preparação para o parto humanizado, as doulas Bárbara Rose e Julianne Brayner afirmam que o primordial é a gestante se informar. “Ela precisa se informar para o empoderamento do protagonismo da mulher. Ela precisa se fortalecer, se munir de conhecimentos, de desejos, de vontades, para que o parto dela aconteça da melhor maneira possível para ela”, explica Julianne.

O fenômeno do empoderamento ocorre frequentemente depois de um parto normal por estar intimamente ligado a um lado mais natural do processo reprodutivo. É quando uma mulher faz suas escolhas baseada em muita informação, é se munir de poder, se encher de força, decidir sobre seu corpo ou sobre seu filho.

As doulas trabalham para fornecer informações, atender as necessidades da gestante, acompanhar o momento da maternidade, ser apoio ao acompanhante e orientar no puerpério – momento em que o corpo da mulher retornar à sua fisiologia, tanto em termos hormonais quanto corporais.

“O corpo da mulher se prepara, ele é muito sábio. Ele sabe o que é preciso. É como respirar, a gente não precisa pensar, a gente respira. O parto acontece da mesma forma. Quando mais a gente pensa, mais a gente complica. E quanto mais natural ele acontece, vai ser melhor”, explica Bárbara.

Fonte: Gazetaweb.com


Warning: A non-numeric value encountered in /home/storage/6/f3/21/issoenoticiaal/public_html/wp-content/themes/Newspaper/includes/wp_booster/td_block.php on line 353