Estudo inédito esclarece como o sexo é determinado nos primeiros estágios de vida dos ornitorrincos e de outros mamíferos que põem ovos
Habitantes dos pequenos rios e vastos desertos da Austrália, dois animais intrigam pesquisadores: os ornitorrincos e as equidnas — os únicos mamíferos que botam ovos. Cientistas passaram décadas tentando entender seu organismo, como reproduzem, o que comem e por que são tão diferentes.
Dentre essas diversas peculiaridades, a comunidade cientifica descobriu também que esses pequenos seres não usam o mesmo conjunto de ferramentas genéticas que os outros mamíferos para desenvolver embriões masculinos e femininos. Como eles fazem isso? Por anos foi um mistério.
Agora, uma nova pesquisa publicada na revista Genome Biology revelou evidências da resposta. O estudo demonstra que o sexo dos monotremados (como são conhecidos os mamíferos que põem ovos) se resume a um único gene e é mais parecido com o que vemos nos peixes e anfíbios.
Ornitorrincos são conhecidos por suas características únicas, como o bico e a cauda. (Imagem: Martin Pelanek / Shutterstock)
Uma dupla única no mundo
O vasto grupo dos mamíferos, que compreende desde humanos até baleias, tem dois cromossomos para determinar o sexo: X e Y. Caso o embrião apresente um par XY, ele será masculino, e se tiver uma dupla XX, será classificado como feminino.
Nos machos, esse processo é desencadeado pelo gene SRY, que atua no cromossomo Y — herdado pelo pai. Esse gene leva à produção de uma proteína que desencadeia uma série de eventos que resultam no desenvolvimento de testículos.
Esse sistema seria tão bom que funcionaria em todos os mamíferos. Mas, na Austrália, sempre há exceções para as regras do mundo. O gene SRY nunca foi encontrado em monotremados, o que deixava uma dúvida sobre a definição do sexo em ornitorrincos e nas equidnas.
Essa questão moveu os cientistas por décadas. Em 2008, foi publicado o primeiro sequenciamento completo do genoma de um ornitorrinco. Mas, o espécime era uma fêmea, logo não continha informações sobre o cromossomo Y e seu funcionamento.
Em 2021, um novo estudo apresentou uma versão nova e aprimorada do genoma do ornitorrinco e o primeiro sequenciamento da equidna — dessa vez, cheios de cromossomos Y. Um gene apareceu como o responsável pela determinação sexual dos monotremados: o hormônio antimülleriano (AMH).
As quatro espécies de equidnas e o ornitorrinco são os últimos monotremados existentes. (Imagem: PurePixels125 / Shutterstock)
Gene é ainda mais peculiar
Agora, a nova pesquisa foi além: a equipe identificou a primeira evidência de que uma versão adaptada do gene AMH — batizada de AMHY — é a responsável por determinar o sexo em ornitorrincos e equidnas.
O estudo aponta que mutações no AMH, ocorridas há cerca de 100 milhões de anos, no início da evolução dos monotremados, deram origem ao AMHY. Esse processo teria sido decisivo para o surgimento do sistema sexual peculiar presente nos ancestrais desses animais.
A equipe conseguiu mostrar pela primeira vez o momento que o AMHY é ativado no tecido para direcionar o desenvolvimento dos testículos. Esse modelo de determinação sexual é diferente dos outros mamíferos. Enquanto o SRY atua diretamente no DNA para ativar outros genes que levam ao desenvolvimento masculino, o AMHY é um hormônio, portanto, não interage com o DNA e atua na superfície das células para ativar ou desativar genes.
Estudos anteriores revelaram que o AMHY também realiza um papel na determinação sexual em peixes e anfíbios. Porém, sua atuação nos monotremados seria o primeiro exemplo conhecido desse hormônio determinando sexo em mamíferos.
Agora, os pesquisadores querem entender melhor como o AMHY e sua contraparte, o AMHX, operam nesses animais. Os estudos estão só começando, e ainda há muito a descobrir sobre a genética peculiar dos pequenos ornitorrinco e equidna.