BRASIL PARADO! “2019 VAI SER MAIS UM ANO PERDIDO”, DIZ ECONOMISTA

Para Celso Martone, crise de confiança e desequilíbrio fiscal impedem crescimento econômico

O empresariado não vai investir enquanto o governo não mostrar que caminha para o equilíbrio fiscal. Essa é a avaliação do professor de economia da USP Celso Martone sobre a retomada do crescimento no Brasil. Nesta quarta 15, o Banco Central (BC) divulgou que a atividade econômica registrou queda de 0,28% em março em relação a fevereiro — que teve seu desempenho revisado de uma retração de 0,73% para 0,98. O desempenho da economia no primeiro trimestre de 2019, por sua vez, registrou queda 0,68% perante os três meses antecedentes, mas melhora de 0,23% frente ao mesmo período do ano passado.

Os números negativos têm surpreendido Martone. Os bloqueios no Orçamento, para ele, prejudicam ainda mais a atividade econômica. Por isso, ele já prevê “mais um ano perdido” do ponto de vista econômico. “Pode ser que, se sair um bom resultado na Previdência, no segundo semestre haja alguma animação, mas os efeitos só vão começar a ser sentidos em 2020”, projeta. Até junho, ele ressalta: o país continuará em uma “pasmaceira”. 

O BC divulgou hoje que a atividade econômica recuou 0,28% em março e 0,68% no trimestre. Esses números negativos têm surpreendido?

Têm surpreendido, porque as previsões iniciais para crescimento este ano estavam acima de 2%. À medida que os meses foram passando, já no final do ano passado, ficava claro que a atividade econômica estava indo para baixo, especialmente no setor industrial. E isso continuou agora nesse primeiro trimestre. E os outros setores também estão fracos. Os serviços vêm no negativo, o comércio também não está grandes coisas. Todos os sinais são nessa direção. Eu nunca vi um clima de tanta expectativa e decisão quanto agora. Conversando com as pessoas, vejo que está todo mundo colocando as fichas na reforma da Previdência. O próprio governo colocou isso como prioridade, com razão. É como se o governo estivesse com o pé atrás , retardando decisões de investimentos e gastos, de maneira geral, na espera do que possa acontecer até meados do ano. Enquanto isso a economia enfraquece. O PIB do primeiro trimestre não saiu ainda, mas deve ser negativo em relação ao ano passado. É um baque importante.

Já é possível falar em uma recessão?

Ainda não. Temos mais um trimestre até junho. Se até lá sair essa reforma, de uma maneira convincente e não aquém do que se espera, o cenário muda. Hoje saiu uma declaração do Paulo Guedes dizendo que estamos à beira do abismo. Estamos faz tempo. À medida que o tempo passa, as coisas tendem a se agravar, o espaço de manobra é cada vez menor no setor público. Esses cortes, como o contingenciamento de 30 bilhões no Orçamento, são coisas ruins, mas não há alternativas. Isso prejudica ainda mais a atividade econômica.
Como os empresários têm reagido a esses números?

O pessoal está bem desanimado. Os resultados, em geral, estão aquém das expectativas, como produção, vendas, etc. E o pior: eles não veem chance de isso melhorar a curto prazo. Acho que vai demorar alguns anos para a indústria recuperar os níveis de produção que teve entre 2011 e 2013. É uma recessão muito longa. Acho que nunca houve uma recessão desse tamanho e com essa duração. A recessão é sempre mais maléfica quanto mais ela dura. Se você pegar o PIB desde 2014, quando começou, o Brasil só vai recuperá-lo depois de 2022. Estamos falando de quase 10 anos. É um fato inédito na história do Brasil.

Então o senhor acredita que os investimentos vão ser ainda bem tímidos…

Sem dúvida. As expectativas já vêm baixas há uns dois, três anos. Neste ano não creio que seja diferente. Pode ser que, se sair um bom resultado na Previdência, no segundo semestre haja alguma animação, de começar a tirar projetos da gaveta. Mas os efeitos só vão começar a ser sentidos em 2020. Este ano de 2019 vai ser mais um ano perdido, pelo menos do ponto de vista do crescimento.

Quais os principais empecilhos para a retomada do crescimento?

Dinheiro para investimento não está faltando. O dinheiro existe no setor privado, tanto nacional quanto estrangeiro. Mas existe uma crise de confiança associada ao desequilíbrio fiscal do governo. O juro real talvez seja um dos menores da história recente do Brasil. A inflação é de 4% e juro nominal de 6,5%. Você está com um juro real de 2,5%. Seria mais um estímulo para aplicar em bens reais, de capital, mas isso não acontece por causa da crise de confiança. Enquanto o governo não mostrar que caminha para um equilíbrio fiscal, acho que não vai haver investimentos sérios, tanto na área privada interna quanto externa. Acho que o nó da questão é o corte fiscal realmente.

O que deve ser feito para aumentar a arrecadação e garantir a sustentabilidade fiscal?

O primeiro teste estão fazendo agora, que é a Previdência. Enquanto não tiver a reforma, a meu ver, não haverá conversa com outras medidas. A etapa mais importante a seguir, sem falar nas medidas setoriais que podem ser tomadas, como privatização de empresas e outras coisas, é a reforma tributária. Ela é madura, existe um projeto na Câmara. Parece que o projeto do [economista Bernard] Appy tem a preferência do Rodrigo Maia e do pessoal que cuida disso. E tem o projeto do governo, que não deve ser muito longe do projeto do Appy. A impressão que eu tenho é que ambos são perfeitamente coordenados e poderiam, já na sequência da Previdência, ocupar o Congresso no segundo semestre. Se você olha do ponto de vista empresarial, outro nó é a questão fiscal, tributária. É o ônus dos tributos, a complexidade do sistema. Isso é um desincentivo. Minha aposta é que, se conseguirem passar a reforma da Previdência, no segundo semestre a discussão vai ser a reforma tributária.
A equipe econômica do ministro Paulo Guedes já revisou a projeção de crescimento do PIB, o que vai implicar contingenciamentos. Isso não vai retroalimentar a atividade econômica fraca?

Acho que isso é ruim. Seria melhor se o governo tivesse bala suficiente para expandir seus gastos nesse momento de recessão. O fato é que essa via não está disponível, pelo contrário. Estão tendo que encolher o gasto público para ver se consegue reequilibrar o Orçamento e atenuar o crescimento da dívida. Uma manifestação muito importante do desequilíbrio fiscal é o tamanho da dívida e o crescimento dela. No ano que vem, provavelmente, a gente vai chegar a 80% do PIB de dívida pública. Isso, para um país em desenvolvimento, é muito alto. Nós nunca passamos de 60%, mesmo em épocas ruins. Isso assusta muito.

Quais medidas o governo pode tomar para aquecer a atividade econômica?

A munição para fazer medidas de estímulo não existe, pelo contrário. A ideia é cortar gastos, subsídios, Aumentar imposto também não dá, porque já estamos com uma carga tributária muito alta. Ele tem uma saída, que eu acho importante, que é a privatização. Mas ela é lenta, não se faz do dia para a noite. Sei que estão trabalhando nisso, mas tem uma maturação lenta até chegar ao ponto de poder vender. E atacar o problema fiscal. A reforma da Previdência, se for aprovada, é um passo importante. A tributária é outra que dá para fazer. Há um clamor nacional em torno disso. Não que isso vá reduzir receita. Não é esse o ponto. E uma série de medidas microeconômicas estão sendo elaboradas. Por exemplo, saiu a Medida Provisória da liberdade econômica, para desburocratização. São coisas micro, mas que também são estimulantes.

Bolsonaro declarou que pretende corrigir a tabela do IR pela inflação para o ano que vem. Isso não impacta também na arrecadação?

Impacta, mas é uma medida, no mínimo, justa. Se a tabela não é corrigida, significa que está fazendo um confisco na renda das pessoas. Quando tem inflação, suponha que os salários subam junto, você vai pagar mais imposto sem ter aumento real de renda. É o que está acontecendo aqui no Brasil. E o governo se faz de surdo e não corrige a tabela. Isso é uma promessa de campanha. Embora reduza a receita um pouco, é algo que ele provavelmente vai fazer.

Um dos problemas que mais preocupa a população hoje é o alto índice de desemprego, que alguns economistas falam ser sazonal. Há perspectiva de melhora e criação de novos postos?

Se a economia voltar a crescer no segundo semestre, por pouco que seja, a tendência é de redução, mas lenta. O desemprego médio no Brasil é de 6% a 7% da força de trabalho. Estamos no dobro disso. Para voltar a essa média vai demorar vários anos, com a economia crescendo forte e os investimentos também. Caso contrário vai ficar nesse marasmo. Cai um pouco, sobe um pouco. Não vai desatar esse problema. É o crescimento que vai fazer. E mais algumas medidas, por exemplo, a ideia de reduzir a carga de encargos em cima da folha. Reduzir o custo da mão de obra, para gerar mais emprego.

Que cenário o senhor imagina para os próximos meses?

Apostaria que até junho, julho, vamos ficar nessa pasmaceira. Não vejo nenhum sinal de que possa acontecer uma coisa muito positiva. A impressão é que se acomodou em uma paralisia econômica e vai continuar assim até que surja uma novidade importante. A mais próxima que tem é a reforma da Previdência. Até lá, acho que vai ficar andando de lado mesmo.


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